A Wikipédia ensina:
“coincidência” é o termo utilizado para se referir a eventos com alguma
semelhança, mas sem relação de causa e consequência. Diz ainda que, quando
muitos eventos ocorrem simultaneamente é esperado que ocorram muitas
coincidências também, e que isso pode ser apenas resultado de uma
sincronicidade.
Esses dias aconteceu comigo,
e lógico, com o universo, um evento interessante de sincronicidade: no
trabalho, na roda de amigos e no mundo, com essas figuras abaixo, em derredor
de um tema: privatização/estatização.
Conversando com um amigo
sobre a conjuntura econômica (sim, foi numa mesa de bar. Não, eu não bebo),
falávamos sobre a China e o temor deste meu amigo em investir num país que, a
qualquer momento, do dia pra noite, poderia estatizar o patrimônio investido, e
aí, adeus Corina.
No escritório, pesquisava a
natureza jurídica de um Ministério do Governo Federal, a fim de descobrir se
este órgão possui personalidade jurídica própria, pois pretendo ingressar com
uma ação em face de ato do dito Ministério. De logo, mato a curiosidade de
vocês leitores: não, o Ministério não tem personalidade jurídica própria, ele é
oriundo do fenômeno da descentralização, ferramenta da qual se utiliza o
Governo para administrar com mais eficiência. A personalidade jurídica é o
próprio Estado, logo, a União (se segura AGU!). Tal lição foi tirada do livro
de Celso Antônio Bandeira de Mello, “Curso de Direito Administrativo”.
Neste livro, ao final do
capítulo introdutório que trata da organização administrativa, o doutrinador
abre um parêntese para fazer uma crítica às privatizações ocorridas no governo
FHC, que transcrevo logo abaixo. Foi um adendo muito bem feito.
No domingo, lendo a Revista
Veja (Editora Abril, ed. 2.265, ano 45, nº 16, 18 de abril de 2012), nas
famosas páginas amarelas, entrevista do Primeiro Ministro de Portugal, Pedro
Passos Coelho, noticiando que privatizaria diversas empresas públicas, entre
elas, a gloriosa TAP, posto que “os
portugueses sentem que o Estado não foi um bom gestor de empresas”.
Enquanto eu refletia e já
percebia o encontro destes temas tão conexos, recebo a trágica notícia de que a
presidentA da Argentina, D.
Cristina Kirchner, expropriou a YPF, empresa petrolífera argentina que havia
sido privatizada à época da presidência de Carlos Menem, tutor do seu saudoso
(?) esposo, Nestor Kirchner, expropriação esta sob a alegação de que o governo é
melhor administrador que a iniciativa privada.
Triste mundo. Infeliz
coincidência.
Segue abaixo texto do
ilustre Celso Antônio Bandeira de Mello (Malheiros Editores, 15ª edição, 2003):
“Por razões puramente
contingentes, circunstanciais¹, ao lado das entidades da administração indireta
tratamos, também, de certa figuras que não integram o aparelho estatal, mas que
foram previstas como eventuais colaboradoras do Poder Público em
empreendimentos administrativos sobre os quais o Estado não detém titularidade
exclusiva (as Organizações Sociais – e o instrumento jurídico concebido como
habitante de tal colaboração: o Contrato de Gestão – assim como as Organizações
Privadas de Interesse Público).
¹Fizemo-lo em vista de serem
entidades recentemente concebidas em nosso Direito positivo e que nele
ingressaram recebidas com grande estrépito pelos espíritos novidadeiros, graças
ao fato de se encartarem no bojo da chamada “Reforma do Estado”. Esta, por sua
vez, é aclamada por ser um fruto do modismo neoliberal, aliás já declinante,
mas que, após a implosão da União Soviética e consequente disparição de um polo
antagônico às forças do capitalismo selvagem, irrompeu triunfante pelo mundo
afora no bojo da chamada globalização. Tal designativo, concebido para camuflar
a ideologia recoberta pela desgastada expressão “imperialismo”, traduz
interesses econômico-financeiros dos grupos empresariais das grandes potências:
os de promover a expansão do mercado para seus produtos e serviços,
ensejando-lhes penetrar nos espaços dantes ocupados pelos empreendedores
nacionais dos países emergentes ou por empresas controladas pelos respectivos
Estados. A própria, assim chamada, “globalização”, acompanhada das loas ao
neoliberalismo (binômio inseparável, pois a primeira não tinha como se impor
sem o segundo) nada mais foi que uma gigantesca jogada de marketing, como era fácil perceber desde o primeiro momento.
Note-se que hoje quase não se fala mais dela. A razão disto não está nos
desastrosos resultados que produziu – e a Argentina vale como paradigmática
demonstração disto – nem nos protestos que contra ela eclodiram em diferentes
eventos (Seattle, por exemplo), mas no fato de que seus objetivos já foram
alcançados: largo espaço econômico dos países globalizados pelos globalizantes,
sobretudo o dos segmentos de mercado cativo, isto é, o dos serviços públicos,
que eram mantidos na esfera governamental, já foi objeto de trespasse para as
transnacionais, conforme orientação do FMI, pressurosamente aceita por governos
como o do ex-presidente Menen, na Argentina, (cuja administração contestada já
lhe rendeu uma breve temporada na prisão) do sr. Fujimori, no Peru (hoje
foragido e homiziado no Japão) e do sr. Fernando Henrique Cardoso, no Brasil. A
eles, ditas transnacionais ficam a dever inestimáveis serviços. Os riscos do
“apagão” no Brasil e o racionamento energético imposto, assim como a grande
elevação de tarifas dos serviços públicos privatizados, em geral, bem
simbolizam as maravilhas da “privatização” entre nós”.