domingo, 22 de abril de 2012

Sincronicidade


A Wikipédia ensina: “coincidência” é o termo utilizado para se referir a eventos com alguma semelhança, mas sem relação de causa e consequência. Diz ainda que, quando muitos eventos ocorrem simultaneamente é esperado que ocorram muitas coincidências também, e que isso pode ser apenas resultado de uma sincronicidade.
Esses dias aconteceu comigo, e lógico, com o universo, um evento interessante de sincronicidade: no trabalho, na roda de amigos e no mundo, com essas figuras abaixo, em derredor de um tema: privatização/estatização.


Conversando com um amigo sobre a conjuntura econômica (sim, foi numa mesa de bar. Não, eu não bebo), falávamos sobre a China e o temor deste meu amigo em investir num país que, a qualquer momento, do dia pra noite, poderia estatizar o patrimônio investido, e aí, adeus Corina.
No escritório, pesquisava a natureza jurídica de um Ministério do Governo Federal, a fim de descobrir se este órgão possui personalidade jurídica própria, pois pretendo ingressar com uma ação em face de ato do dito Ministério. De logo, mato a curiosidade de vocês leitores: não, o Ministério não tem personalidade jurídica própria, ele é oriundo do fenômeno da descentralização, ferramenta da qual se utiliza o Governo para administrar com mais eficiência. A personalidade jurídica é o próprio Estado, logo, a União (se segura AGU!). Tal lição foi tirada do livro de Celso Antônio Bandeira de Mello, “Curso de Direito Administrativo”.
Neste livro, ao final do capítulo introdutório que trata da organização administrativa, o doutrinador abre um parêntese para fazer uma crítica às privatizações ocorridas no governo FHC, que transcrevo logo abaixo. Foi um adendo muito bem feito.
No domingo, lendo a Revista Veja (Editora Abril, ed. 2.265, ano 45, nº 16, 18 de abril de 2012), nas famosas páginas amarelas, entrevista do Primeiro Ministro de Portugal, Pedro Passos Coelho, noticiando que privatizaria diversas empresas públicas, entre elas, a gloriosa TAP, posto que “os portugueses sentem que o Estado não foi um bom gestor de empresas”.
Enquanto eu refletia e já percebia o encontro destes temas tão conexos, recebo a trágica notícia de que a presidentA da Argentina, D. Cristina Kirchner, expropriou a YPF, empresa petrolífera argentina que havia sido privatizada à época da presidência de Carlos Menem, tutor do seu saudoso (?) esposo, Nestor Kirchner, expropriação esta sob a alegação de que o governo é melhor administrador que a iniciativa privada.
Triste mundo. Infeliz coincidência.
Segue abaixo texto do ilustre Celso Antônio Bandeira de Mello (Malheiros Editores, 15ª edição, 2003):

“Por razões puramente contingentes, circunstanciais¹, ao lado das entidades da administração indireta tratamos, também, de certa figuras que não integram o aparelho estatal, mas que foram previstas como eventuais colaboradoras do Poder Público em empreendimentos administrativos sobre os quais o Estado não detém titularidade exclusiva (as Organizações Sociais – e o instrumento jurídico concebido como habitante de tal colaboração: o Contrato de Gestão – assim como as Organizações Privadas de Interesse Público).
¹Fizemo-lo em vista de serem entidades recentemente concebidas em nosso Direito positivo e que nele ingressaram recebidas com grande estrépito pelos espíritos novidadeiros, graças ao fato de se encartarem no bojo da chamada “Reforma do Estado”. Esta, por sua vez, é aclamada por ser um fruto do modismo neoliberal, aliás já declinante, mas que, após a implosão da União Soviética e consequente disparição de um polo antagônico às forças do capitalismo selvagem, irrompeu triunfante pelo mundo afora no bojo da chamada globalização. Tal designativo, concebido para camuflar a ideologia recoberta pela desgastada expressão “imperialismo”, traduz interesses econômico-financeiros dos grupos empresariais das grandes potências: os de promover a expansão do mercado para seus produtos e serviços, ensejando-lhes penetrar nos espaços dantes ocupados pelos empreendedores nacionais dos países emergentes ou por empresas controladas pelos respectivos Estados. A própria, assim chamada, “globalização”, acompanhada das loas ao neoliberalismo (binômio inseparável, pois a primeira não tinha como se impor sem o segundo) nada mais foi que uma gigantesca jogada de marketing, como era fácil perceber desde o primeiro momento. Note-se que hoje quase não se fala mais dela. A razão disto não está nos desastrosos resultados que produziu – e a Argentina vale como paradigmática demonstração disto – nem nos protestos que contra ela eclodiram em diferentes eventos (Seattle, por exemplo), mas no fato de que seus objetivos já foram alcançados: largo espaço econômico dos países globalizados pelos globalizantes, sobretudo o dos segmentos de mercado cativo, isto é, o dos serviços públicos, que eram mantidos na esfera governamental, já foi objeto de trespasse para as transnacionais, conforme orientação do FMI, pressurosamente aceita por governos como o do ex-presidente Menen, na Argentina, (cuja administração contestada já lhe rendeu uma breve temporada na prisão) do sr. Fujimori, no Peru (hoje foragido e homiziado no Japão) e do sr. Fernando Henrique Cardoso, no Brasil. A eles, ditas transnacionais ficam a dever inestimáveis serviços. Os riscos do “apagão” no Brasil e o racionamento energético imposto, assim como a grande elevação de tarifas dos serviços públicos privatizados, em geral, bem simbolizam as maravilhas da “privatização” entre nós”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário